segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Ignacio da Nega


Os Barrigudinhos Nordestinos

"O pintor, assim como o poeta, precisa ver e rever aquilo que produz. Somente com esse esforço pode atingir uma obra de qualidade". Com esse pensamento na cabeça e muito talento para expressar formas e cores, Ignácio da Nega é mestre em passar às telas uma visão bem-humorada do folclore nordestino.

Pernambucano de Surubim, a 3 horas de Recife, onde nasceu em 1945, o artista, batizado como Inácio Ramos da Silva – o "g" incluído no nome é para dar charme às telas – começou sua atividade artística ajudando a mãe a decorar andores de procissões e a fazer flores de papel.

Aos 20 anos, ansioso por aventuras e uma profissão, Ignácio se mudou para São Paulo, onde desempenhou várias atividades. Nas horas vagas, fazia desenhos a lápis, mas sem ainda pensar em viver de pintar. Foi quando trabalhava como mensageiro entre as agências do Citibank que despertou definitivamente para a arte.

Em frente às diversas galerias que havia no centro velho de São Paulo no final dos anos 1960, começou a se informar sobre como podia desenvolver seu talento artístico como desenhista e colorista. Ao voltar para Pernambuco, em 1970, estudou na Escola de Belas Artes de Recife, conheceu o professor Alaerte Baudim e seu contato com a arte se estreita.

Estudando de dia e trabalhando à noite como copeiro em bares, hotéis e restaurantes, vive um dilema. À luz do dia, desenvolve a atividade que lhe dá satisfação, enquanto realiza, à noite, cansativas jornadas de trabalho que lhe garantem um sustento digno.

Em 1972, junto com outros alunos da Escola de Belas Artes, Ignácio participou de sua primeira coletiva, no Hotel Beira Mar, em Recife, durante três dias. Expôs então sua tela de estréia, pintada a óleo, técnica que utiliza até hoje, e recebeu os primeiros elogios, que se ampliaram ao mostrar seus trabalhos na exposição que inaugurou a Casa de Cultura de Olinda, em 1973, ocasião em que conseguiu vender seu primeiro quadro, uma paisagem da cidade pernambucana, a uma espanhola.


Mas Ignácio ainda tinha muito sonhos. E vencer em São Paulo era sua meta. Voltou à capital paulista em 1975 e fez um curso de garçom no Serviço Nacional do Comércio (Senac), conseguindo emprego em diversos lugares, como o requintado Dinhos’s Place. O problema é que, trabalhando muito, não sobrava tempo para pintar.

Isso gerava uma agonia, que só se dissolvia em contato com a classe artística paulista. Em meados dos anos 1970, na Praça da República, reduto dos artistas naïfs, Ignácio conheceu Iracema Arditi e Cassio M’Boy, que chama, respectivamente, de pai e mãe dos naïfs brasileiros.

Em 1980, Iracema o convidou para realizar uma exposição no Museu do Sol, em Penápolis, SP, propondo um desafio: pintar apenas telas sobre bois. O artista não se intimidou e fez 18 quadros sobre o tema, obtendo boa repercussão entre a crítica da época.

Nessa exposição, já passara a assinar os quadros como Ignácio da Nega, homenagem à mãe, Dona Josefa, falecida em 1979 e conhecida como Nega em seu ofício de decoradora e costureira. Nos anos 1980, com seu novo nome, viveu um bom período, trabalhando exclusivamente para a Galeria Seta, conduzida pelo conhecido marchand paulista Antonio Maluf.

Os temas do artista, até então, eram paisagens e prostitutas e homens em cabarés. Porém, ao começar a freqüentar a igreja evangélica em 1988, ano em que também passou a trabalhar como garçom no Palácio do Governo do Estado de São Paulo – emprego que manteve nos governos Fleury e Mário Covas, até 1996 – Ignácio deixou de lado esses temas, voltando-se para o folclore.

Começa então a pintar imagens de caboclinhos, bumba-meu-boi e outras figuras tradicionais nordestinas, principalmente em estruturas verticais, que configuram autênticas torres em que formas e cores interagem com precisão, articulando um universo de brasilidade, descontração e fantasia.

A partir de 1996, sempre inquieto, Ignácio da Nega, após observar o tipo físico dos nordestinos, introduziu uma marca registrada em seus quadros: começou a pintar seus personagens como barrigudinhos. Não se trata de gordinhos, como se encontra nas telas do colombiano Botero, mas sim de personagens bem nordestinos, com barriguinha saliente e bundinha empinada, fruto de muita comida, seja jaca, cuscuz ou outras iguarias regionais.

Admirador do francês Henri Rousseau, o mestre internacional dos naïfs; José Antônio da Silva, o maior naïf nacional; e Cássio M’Boy, infelizmente quase totalmente esquecido pela crítica de arte nacional, Ignácio da Nega pinta hoje feiras, marinheiros, temas folclóricos e damas sempre seguindo o preceito de que muito trabalho leva ao reconhecimento da crítica e do público.

Ao escolher um tema, pesquisa o assunto; tira fotos, se for possível; e realiza numerosos esboços até encontrar a composição que julga ideal. O desenho só ganha a tela quando isso acontece. Nesse momento, o colorista entra em ação, utilizando o pincel, esfumaçando as tintas e transmitindo dinamismo às imagens.

Para Ignácio, a sociedade vive hoje um momento de neurose. Avalia, portanto, que suas telas precisam transmitir movimento. Acredita que, se isso não acontece, quem vê o quadro pode se sentir incomodado. Ao pensar assim, busca imprimir vida aos seus trabalhos, sempre dentro da atmosfera romântica que caracteriza os naïfs de modo geral.

De fato, o naïf costuma buscar no passado suas origens e temas, sejam paisagens que brotam da infância ou recordações de tradições folclóricas. Ignácio da Nega, em especial, sabe que ao manter a ingenuidade na cor e nos desenhos, a sua arte cresce. Busca constantemente o equilíbrio de formas e cores, mas luta para que o conhecimento técnico não o domine, ciente de que aprender a pintar significa o fim da espontaneidade e do talento.

Suave e leve como a mais autêntica e ingênua literatura de cordel, a pintura de Ignácio da Nega merece romper as barreiras que as galerias impõem aos artistas ditos primitivos. Sua arte não é apenas para estrangeiro ver e seus temas, tipicamente nacionais, são a verdadeira poesia de um País que insiste em não valorizar os pintores naïfs como autênticas expressões da cultura nacional.

Oscar D’Ambrosio
O autor é jornalista, crítico de arte e autor de Os pincéis de Deus: vida e obra do pintor naïf Waldomiro de Deus (Editora UNESP, 1999).

Fonte: www.artcanal.com.br

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