segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Naïf: Testemunho e patrimônio da humanidade


Para que a arte naïf possa atingir cada vez mais pessoas e espaço junto ao reconhecimento público, transcrevemos aqui um dos textos de Lucien Finkelstein, publicado no livro Brasil naif – Arte naif: Testemunho e patrimônio da humanidade. 1ª. ed. Rio de Janeiro : Novas Direções, 2001.


Testemunho e patrimônio da humanidade



Com os pintores naïfs, trata-se dos últimos
ecos da alçma coletiva em vias de desaparecimento

Carl G. Jung

 

J. Araujo
Clique para perfil completo do do artista J. Araujo

 

Dizer que a arte naif é um testemunho da humanidade não é nenhum exagero. Poderíamos considerar que a arte naif se encontra no nascimento mesmo da arte e chamá-la de mãe de toda a pintura, já que a arte dos tempos pré-históricos foi o berço da arte naif e, portanto, de toda a arte.

Assim, os primeiros artistas naifs poderiam ter sido aqueles homens que, há dezenas de milhares de anos, nos legaram na gruta de Lascaux os magníficos touros, cervos, bisões, verdadeiros tesouros da pintura primitiva. Por isso, Lauscaux foi apelidade de “Capela Sistina da Pré-história”.



André Cunha
"Recife - Veneza Brasileira"(Medalha de prata no Salão de
Artes
Plásticas de São José do Rio Preto, SP)

Perfil completo do artista André Cunha clicando aqui



(…) Os pintores naifs pintam desde que o homem sentiu necessidade de ter uma atividade artística. O que faz o encanto dos naifs contemporâneos é a força estraordinária de sua sinceridade e o mesmo poder comunicativo de nossos ancetrais longínquos. Aqueles que souberam comunicar-se pelo desenho muito antes da escrita, porque sentiam a mesma necessidade, o mesmo impulso dos artistas naifs atuais, de querer produzir, de qualquer maneira, e com seus parcos recursos, sua visão do cotidiano.

Os artistas naif se exprimiram em todas as épocas, por meio das mais variadas formas, e marcaram presença nos grandes moementows da criação artística humana – da estatutária Ilha de Páscoa aos mosaicos bizantinos, passando pelas iluminuras da idade média e as pinturas dos ex-votos. Faziam-no para seu próprios prazer, talvez também para o prazer dos outros e, quem sabe, inconscientemente, para perpetuar a sua presença, sua breve passagem pelo mundo. Até os naifs contemporâneos que, nesse sentido, continuam tão puros como aqueles ancestrais de várias dezenas de milhares de anos, pois se expressam com as mesmas razões, as mesmas bases, as mesmas necessidades internas.


 

Paulina
"Sol de verão II", 1994
(Fonte: Brasil naif – Arte naif:

Testemunho e patrimônio da humanidade)

Perfil completo de Paulina




Portanto, é preciso ter respeito por essa arte vinda dos tempos imemoriais e por aqueles que a praticam e continuam a agir como se, para eles, ainda estivéssemos no começo do mundo.


Devemos nos orgulhar desses artistas e agradecer-lhes pelo que fazem, sobretudo pelo embelezamento constante que trazem para a arte e para nossas vidas. Eles são a memória do nosso passado, o testemunho de seu tempo e parte integrante da humanidade.


Lucien Finkelstein
Fonte: Brasil naif – Arte naif: Testemunho e patrimônio da humanidade. 1ª. ed. Rio de Janeiro : Novas Direções, 2001.

 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Rosangela Politano


Nasceu em São José do Rio Preto - SP, 1965
Vive em Socorro - SP
Pintora e ceramista
 
 
 
Fonte: www.jornalomunicipio.com.br

Rosângela Politano nasceu em São José do Rio Preto (SP) em 1965. Mudou-se para a capital, São Paulo, ainda menina. Foi morar na vila madalena, bairro famoso por vários movimentos culturais onde ficou durante por toda a sua adolecência participando da primeira feira de artesanato do bairro.


Depois se mudou para Embu das Artes, cidade também famosa por movimentos culturais e a grande feira de artesanato onde foi criada artisticamente nas ruas entre olhares e artistas.

 
 


"Carnaval em São Luiz do Paraitinga" (SP)




Em Embu, Rosângela conheceu seu companheiro o escultor Wagner Luiz da Cruz com quem tem tres filhos, todos artistas como os pais. Em 1992, a família mudou-se para Socorro (SP), estância hidromineral onde abriu um ateliê chamado 'Casa das Artes', que é também moradia do casal.
 
 
O ateliê é feito com materiais reciclados e de demolição criando assim algo único charmoso, autentico e acessível. Essa proposta, segunda a artista, foi definida tanto por nescessidade (custos) quanto por opção. O resultado Onde recebem turistas clientes e amigos.
 
 
 
A artista naif Rosângela Politano em seu
ateliê 'Casa das Artes', feito com materiais
reciclados e de demolição na cidade de Socorro (SP)
 
 

Sempre apaixonada pelas cores, coloca muita emoção em seus trabalhos. Para produzir uma obra só precisa estar feliz. Politano diz que seu objetivo é passar para as pessoas que apreciam suas obras a percepção de como estava feliz no momento da criação.
A artista também diz que sempre evitou realizar exposições por vender tudo que produz em seu ateliê. Por isso, se viu quase obrigada a participar da 11ª. Bienal Naïfs do Brasil (2012), realizada pelo SESC São Paulo desde 1992 em Piracicaba, para poder divulgar seu trabalho e, logo de primeira, recebeu uma menção honrosa. Dessa forma, abriu-se um leque na vida na vida da artista que esta tendo muito reconhecimento. A obra premiada na bienal é a "Festa do Divino" (imagem abaixo).
 
 


"Festa do Divino"
Menção Honrosa na Bienal de Piracicaba


Detalhe da "Festa do Divino"
Fonte da imagem: Prefeitura Municipal de Socorro


 
Seus temas preferidos são as praças das cidades com a igreja da matriz e seus cotidianos como casamento festas populares e a alegria do povo.


Rosângela trabalha também por encomenda onde recebe sugestões e adora retratar cenas da vida das pessoas, permitindo muitas vezes os clientes a interagirem nos trabalhos.



Ela diz que o artista vê o mundo colorido e o trabalho é pra ela uma oração onde coloca toda sua emoção e agradece "o privilégio que é viver neste adorável mundo louco". Onde ela chorou, sofreu, mas é infinitamente feliz.



"Domingo de manhã em Parati"


Logo em seguida Politano participou de uma seleção com 1100 obras de todo o Brasil no 28º. Salão de Embu das Artes e duas de suas obras foram selecionadas, sendo que entre os selecionados apenas 28 eram naïfs.No quadro abaixo, Politano retrata a Festa da Padroeira em Socorro, "com as flores do ype amarelo, tão presentes em nossa região".


"Festa da Padroeira em Socorro" (SP)

Como muitos artistas naifs, justamente por esse tipo de arte ser de extrema espontaneidade, Rosângela diz que pintava seus quadros e nem sabia que eram naifs.


A artista, que expõe seu material no Espaço Artesanato da Casa do Turista, nos conta: "Os turistas que vinham à cidade, compravam os trabalhos e começaram a me incentivar a participar de exposições. Daí fui a Bienal de Piracicaba e ganhei uma menção".



O violão onde todos tocam...
Tocam os anjos, o cego na porta
da igreja, tocam as festas populares e
a turminha junto da fogueirinha de papel.



Apesar de muitos artistas atuais desenvolverem variações contemporâneas do naif, Politano institivamente chegou ao estilo naif clássico, o que mostra que a arte não está presa a seu ao tempo e, sim, ao que vem do coração.



Dessa forma, Rosângela nos disse também: "Minha arte é minha oração e como o artista vê o mundo colorido".

Abaixo, os santos e os simpáticos São Francisco retratados por ela com muita doçura.





Imagens cedidas pela artista
 


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quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

VIvaldo Ramos


[Vivaldo Ramos]
Salvador – BA – 1916
Rio de Janeiro – RJ – 1996

Foi cantor de sambas e ator. Começou a expor em 1968 uma pintura ingênua, direta e muito colorida, obra de um observador atento de tudo o que é humano.

Fonte: Brasil naif – Arte naif: Testemunho e patrimônio da humanidade. 1ª. ed. Rio de Janeiro : Novas Direções, 2001.


"O Cometa de Halley girando em torno do Sol e perto da Terra"
(The Halley Comet spinning around the Sun and near the Earth)
Acríclico s/ tela
0,45 cm x 0,55 cm
1986

"Festa de Santa Barbara"
66 cm x 45 cm


"Anjo da guarda"
1978

"Circo"
1982

"Paiol da Vida"



"Paraiso"



"Quebra o pote"
1985



"Santo Antonio Brasileiro"
1986


 "Teatro Estrela"
1982


Fonte da quarta à última imagem: http://www.fotolog.com.br/vivaldoramos/mosaic/

Sidney Nofal, carro de bois e o pantanal sul matogrossense


Como dizia o artista plástico Iberê Camargo, "O conteúdo da obra de arte é a experiência existencial do artista, objetivada na obra. O conteúdo, a vivência do artista, é inseparável da obra".

A convivência do artista com seu ambiente é fundamental par o enriquecimento de sua arte. Sendo assim, Sidney Nofal é um pantaneiro até o fundo de sua alma.



"Carro de bois atravessando o rio"
(Vendido - Espanha)

Por outro lado, como já disseram, uma pintura é uma poesia sem palavras. Nesse sentido, Nofal lida com diversas formas artísticas para expressar sua experiência de vida. Além de sua pintura, temos o poema "Carro de Bois" que o mesmo artista escreveu e que funciona como um repositor de sua vivência junto ao ambiente pantaneiro.



CARRO DE BOIS....

Poema de Sidney Nofal


carro de bois... / de longas e difíceis viagens / na vivência ervateira / Cultura sul mato grossense,/ história, paraguaio-brasileira... /Hoje saudade dos mais antigos, / poesia doce lisonjeira... / daqueles que viveram a epopéia / nos confins da nossa fronteira... / formação, comitiva... / cincerro e gritos... / na estrada longe, andadeira... / rastro de roda larga, / onde o fiel cão lhe vai pelo sulco, / profunda cicatriz no solo barrento... / é estrada carreteira... / assim foi aquele tempo... / fitas coloridas enfeitavam as picanas... / o grito saudoso que do peito emana... / Cunhá porã (moça bonita) doce e chucra, / do violão e o baile / (yeroki) que se dançava ao clarão da lua... / Hoje História Sul Mato Grossense, / bruta terna e charrua...
 
 
 
 
 
A riqueza do pantanal também aflorou uma vasta cultura local, com fala e termos próprios e uma economia muito particular. A proximidade com a fronteira paraguaia serve, também, para adicionar mais elementos culturais. Tanto é que o livro "Entendendo o Pantanal" (Editora Alvorada), escrito por Otávio Augusto Costa e Lacerda, é uma espécie de dicionário do falar pantaneiro. O livro mostra, segundo sua sinopse, "a cultura e a riqueza da região como o carro de boi, animais pantaneiros, comidas típicas da região, viola de cocho e outros". 
 


Entendendo o Pantanal (Editora Alvorada Ltda),
de Otávio Augusto Costa e Lacerda.

Foto: Adriana Souza (Rede aguapé)


Mais abaixo, temos outra tela com carros de bois na paisagem descrita pelo pintor:
 
 
Esta é fazenda Campanário, sede da Mate Larangeira. O que vou contar nesta série é a história política e econômica de Mato Grosso do Sul nos primórdios da sua fundação, na época ainda Mato Grosso. A erva mate era nativa e formava uma grande selva. Este trabalho marca a importância de uma época que ainda está bastante presente na memória do nosso povo, registrando através da poesia e artes plásticas um momento de fundamental importância para o desenvolvimento do estado.


 Fazenda "Campanário", sede da Mate Larangeira

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Silveira: um dentista, pensador e político do naïf


A filosofia não ajuda a desenhar.
O desenho, ao contrário, ajuda a filosofar.
Giselda Leirner, 1991

 
Trazemos para nossos leitores sempre ávidos por novidades duas telas de José Augusto Silveira.

Apaixonado por arte, filosofia e política (com 'P' maiúsculo como ele mesmo diz), Silveira está sempre buscando alimentar sua arte com aperfeiçoamentos e busca de novas técnicas.

As pinturas naïfs de José Augusto aproximam-se muitas vezes da arte pop. A primeira, "Minimalismo vegetal", foi finalizada essa semana e traz uma série de mini-quadros trazendo variações de árvores e folhagens, com um sol bronze (no alto e a esquerda) equilibrando a estrutura.




Minimalismo Vegetal / 2012


A segunda refere-se a série de telas "Passarada", também de 2012. Dessa vez, por entre as folhagens, a lua espreita  o pássaro em uma noite inundada de estrelas douradas.





Conheça mais do trabalho de Silveira

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Octacília


[Octacília Josefa de Melo]
Recife - PE - 1935

Nasceu na capital pernambucana e, posteriormente, mudou-se pare o Rio de Janeiro.



“A grande valsa”, 1968
Óleo sobre tela e eucatex
50 x 60cm

Acervo: Lucien Finkelstein

É provável que sua relação com a pintura tenha resultado do trabalho em educação que desenvolveu por quase trinta anos, por meio da arte com crianças excepcionais e doentes mentais. Com as primeiras, lidou cerca de nove anos. Aos pacientes de Psiquiatria da Universidade federalo do Rio de janeiro, dedicou mais de duas décadas, durante as quais percebeu sua aptidão para a pintura.

A experiência não poderia ter sido melhor: em 1972, Octacília participou com sucessod e uma exposição coletiva Desde então , expôs com regularidade no Brasil e no exterior, em processo de constante evolução.

Criatura comunicativa e doce, tem uma grande sensibilidade e uma bondade infinita. Essas qualidade transparecem em sua pintura. Estão presentes nas brincadeiras de roda de crianças e sereias, nos casamentos das sereias e vários personagens imaginários, tocantes pela candura e pelo cuidado com os mínimos detalhes. As cenas do Candomblé também se prestam muito bem ao colorido vivo de sua arte.

Pela qualidade, o trabalho de Octacília encanta quem o conhece e reserva à pintora um especial entre os naifs.

Reproduzido de: Brasil naif – Arte naif: Testemunho e patrimônio da humanidade. 1ª. ed. Rio de Janeiro : Novas Direções, 2001.


 
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segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Lula Nogueira



Lula Nogueira
Foto: Marcelo Albuquerque
[Luiz Nogueira Gomes]
Maceió - AL (1960)

Lula Nogueira é considerado um dos destaques das artes plásticas do estado de Alagoas. Ele é um artista que privilegia cenas representativas da vida e cultura alagoana, pintando seu cotodiano, além dos aspectos culturais e históricos do estado.


Descrita como "viva, alegre e buliçosa", a arte de Lula Nogueira realmente não faz concessões à mistura de cores: usa e abusa das cores, adicionando um caráter eufórico ao seu ato criativo. Podemos ver o artista adicionando espaços com a cor rosa imediatamente junto ao gramado, como na tela "Praça Sinimbu" (abaixo).


 
"Praça Sinimbu"
 

Além disso, muita de suas telas assemelham-se a folhetins multicoloridos, isso sem desmerecer nenhum dos dois gêrenos. Pelo contrário, Lula consegue acrescentar ao naif o estilo de folhetinesco, conferindo textos explicativos enriquecedores em suas telas. Conseguir acrescentar explicação textual a uma figura sem cair na vulgaridade também é uma arte.


Fonte: Blog do Carlito Lima

A Gazeta de Alagoas descreve a obra de Nogueira, comparando-a com a do escritor Eça de Queiroz:

" Assim como a prosa de Eça, a obra do artista plástico Lula Nogueira está “impregnada” da “cor local” – o repertório de histórias, personagens e paisagens no qual Lula, como alagoano, se reconhece como nativo e artista que é".


 
"Bloco Carapeba"




Lula se preocupa em registrar a memória de sua cidade, Alagoas, que muda muito rapidamente. A obra do artista também faz uma bela mostra das festas populares, das praças, das lagoas locais, sem esquecer dos santos.

Texto escrito no alto da tela:

"Dona Libé, zeladora do túmulo milagroso da mulher
da capa preta, na piedade, uma lenda que atrai devotos
no dia dos finados e deu nome a um bloco de carnaval".

O site da rede de televisão governamental de Alagoas, a Zumbi dos Palmares, traz o texto chamando para a entrevista de Lula Nogueira. No texto, encontramos uma curiosidade digna de ser relatada, como fazemos a seguir:

"Para o escritor alagoano Lêdo Ivo, a arte de Lula Nogueira é Naïf, mas também Pop. Já Viviane Duarte acredita que ele é Naïf contemporâneo. Para o crítico de arte Ruy Sampaio, considerar o pintor alagoano um representante da arte Naïf é um verdadeiro equívoco. Num ponto todos concordam: Lula Nogueira, ao retratar o cotidiano da vida urbana e rural de Alagoas, o faz de uma maneira muito simples e intensa, mas sem o folclorismo. (...) É uma boa oportunidade para descobrimos o quão Naïf este ilustre alagoano é".


Por: Álvaro Nassaralla
 


 
 

 

LULA NOGUEIRA: Um naïf das Alagoas

Por Mariza Campos da Paz

Vice-presidente da Fundação Lucien Finkelstein
 

Luiz Nogueira Gomes nasceu em Maceió, em 1960. Lembra-se de pintar desde criança. Começou com dez anos de idade, retratando os cortadores de cana, as estações de trem, as cenas do cotidiano da fazenda do avô no interior. Tudo isso pintado a guache em cadernos de desenho. Ao mesmo tempo, tinha um verdadeiro “museu” no seu quarto. Colecionava objetos, pedaços de fantasias, postais, pendurava-os pelas paredes, improvisava as primeiras colagens.

O artista Pierre Chalita, amigo da família, viu seus desenhos e recomendou que lhe dessem telas, tintas, pincéis. Aos onze anos ingressou no curso de pintura de Vânia Lima, onde aprendeu a trabalhar com outras
técnicas, como o fusain, o óleo, o nanquim, etc.




Aos quatorze anos foi para Recife cursar o segundo grau. Era hábito das famílias nordestinas mandar os filhos para Recife, onde o secundário era mais exigente, como um meio de prepara-los para o vestibular. Lula profissionalizou-se em desenho arquitetônico, o que despertou seu interesse pelo patrimônio artístico e cultural do Nordeste.

Lula escolheu Engenharia,
levou nove anos para concluir o curso, com várias interrupções. Nesses intervalos, viajou para os Estados Unidos, França, entre outros países. Porém nunca desistiu da arte.

Aos dezenove anos fez oito meses de curso no ateliê de Pierre Chalita. Mas seu espírito irrequieto queria mais, conhecer novas técnicas, experimentar outros materiais. Sua primeira exposição foi aos vinte anos, na cidade de Marechal Deodoro. Pintava sanfoneiros, pastoris, gaiolas de pássaros, casarios, lembranças da infância.




"Temocléa"

Em 1981, abriu a Graffitti Galeria, inaugurada com sua segunda individual, que teve como tema as rendeiras e a vida das lagoas. Expôs vários artistas alagoanos e nordestinos, entre eles alguns naïfs: José Joaquim, Vicente Ferreira, Fernando Lopes, Edgard Bastos, Renan Padilha.

Porém a atividade de galerista não lhe deixava tempo para pintar. Depois de três anos, desistiu do estresse de ser marchand e ligou-se aos grupos de jovens artistas que reivindicavam mais espaço para sua arte: Grupo Vivarte (1985) e Cruzada Plástica (1987).

A partir daí, sempre pesquisando novos temas e técnicas, participou de várias mostras: em 1987 expôs monotipias aquareladas; em 1988, numa série ecológica, começou a fazer colagens, inserindo na pintura, inserindo nas pinturas alguns objetos, anúncios e recortes; em 1991, homenageou os antigos cinemas das Alagoas.

Terminado o curso de Engenharia, foi para Belo Horizonte fazer uma especialização em Urbanismo por dois anos. “Urbanismo me parecia a vertente da Engenharia mais ligada com a arte”, diz Lula. Aproveitou intensamente a temporada mineira: conheceu as cidades históricas e seus tesouros e aprendeu gravura em metal na Escola Guignard.


A VOLTA AO INÍCIO

Em 1993, Lula Nogueira fez sua terceira exposição individual. Os temas e a concepção dos quadros eram naïfs, as colagens ganharam mais espaço nos seus trabalhos que resgatavam memórias da antiga Maceió. Depois disso, participou da mostra Arte Alagoas na Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, além de várias coletivas em Aracaju, Recife e Penedo. Em 1994, foi um dos curadores do catálogo Arte Alagoas II, que reúne cerca de cem artistas plásticos alagoanos dos mais diversos estilos.

Pode então perceber o preconceito dos críticos e das pessoas em relação à arte naïf. Muitos o criticaram abertamente pela sua pintura. Foi a psicanálise que o ajudou a confirmar a sua definição.

“A pintura naïf me proporcionou esse mergulho interior, o mergulho na infância, conta Lula. Sem me dar conta, passei a pintar cenas que eu vivi aos dez, doze anos. Era minha história que vinha à tona.O litoral e a zona da mata alagoanos eram muito ricos em folclore. Tudo isso me ajudou a encontrar minhas raízes.”


 
 
Dessas raízes começaram a brotar os personagens e paisagens da infância: as tias-avós, que foram suas primeiras professoras, a dona da venda, as fofoqueiras, os engenhos, o Nordeste antigo das fazendas de cana, as festas folclóricas e religiosas, o Brasil caboclo.

O trabalho de levantamento da arte popular de Alagoas – que resultou num livro organizado por Tânia de Maya Pedrosa – abriu para Lula o contato mais profundo com o saber do povo: reconhecer os pios dos pássaros, as artimanhas da pesca, os cantos e danças que se vão perdendo com a chegada do progresso e da modernidade. “Para mim, pintar é também recriar esse mundo perdido”, diz Lula.

Confiante no que fazia, Lula entregou-se ao trabalho com o ardor dos primeiros tempos. Surgiram biombos, retábulos, almofadas, reutilizando diversos objetos como novos suportes. E as colagens foram se firmando cada vez mais, meio por acaso. Ele sente que incluir esses objetos dá mais veracidade aos quadros, conta melhor aquilo que pretende dizer.

Hoje, Lula Nogueira se refugia muitas vezes em Massagueira, uma vila de pescadores à beira da lagoa Manguaba. Lá, encontra seus temas preferidos, a natureza da região os pescadores, a gente simples do lugar que são os melhores críticos da sua arte, pois a vêem com os olhos do coração e não do intelecto. No ano de 2000, Lula fez sua quarta individual, comemorando vinte anos de pintura, na Galeria SESC-AL, numa noite bastante animada, que contou com a apresentação do músico popular Nelson da Rabeca.

Ao convidar Lula Nogueira para mostrar suas obras, o MIAN homenageia não apenas a criatividade do artista naïf alagoano identificado com a sua terra e a sua gente, mas também o pesquisador das cores e dos sons do nosso Brasil caboclo.

Mariza Campos da Paz
Vice-presidente da Fundação Lucien Finkelstein


LULA NOGUEIRA: A naïf from Alagoas
Luiz Nogueira Gomes was born in Maceió in 1960. He recalls himself painting since his childhood. He began at the age of 10, depicting sugarcane pickers, train stations and the daily life at his grandfather’s inland farm. All that painted with gouache on drawing books. At the same time, he had a “museum” inside his room, collecting different objects, parts of outfits, stamps, coins and postcards, all hanging up on the walls and, therefore, improvising his first collages.

The artist Pierre Chalita, also a friend of the family, saw Lula’s drawings and recommended to give him canvas, paint and brush. At the age of 11, he joined in a painting course held by Vânia Lima, where he learnt to deal with different techniques, such as fusain, oil and ink, among others.

At 14 years of age, he moved to Recife to start high school. It was common among northeastern families to send their children to study in Recife, where high school was supposed to be tougher in preparing students to college. Lula finished high school as an architectural designer, which aroused his interest by the artistic and cultural patrimony of the Northeast.

While in

college, Lula chose engineering, taking nine years to graduate, with long periods of absence. During these times, he traveled to the United States and France, as well as other countries, but never gave up his interest in art. At 19 years of age, he spent eight months in an art course at Pierre Chalita’s studio. His restless mind, however, craved for more knowledge, as he wanted to learn new techniques and experiment with different materials. His first exhibit happened when he was 20 years old, in a small town called Marechal Deodoro. His canvases depicted accordionists, scenes of “pastoril”, bird’s cages, houses, some of his childhood memories.

In 1981, he opened the Graffiti Gallery with his second solo exhibit, which had lacewomen and the life by the lakes as its main motif. He presented different artists from Alagoas, as well as others from the northeastern, some of which were naïf painters: José Joaquim, Vicente Ferreira, Fernando Lopes, Edgard Bastos and Renan Padilha. However, his life as gallery owner did not spare him any time to paint. After three years, he gave up the stressed life as a marchand and joined groups of young artists who claimed more places to show their art: Vivarte Group (1985) and Plastic Crusade (1987).

From that time on, he took part in many events, always searching for new techniques and motifs. In 1987, he exhibited water colored monotypes; in 1988, he began working with collages in an ecological series, placing some objects, ads and cutouts in his paintings; in 1991, he paid tribute to the old movie theatres in Alagoas.
After graduating in engineering, he moved to Belo Horizonte to take his masters in Urbanism, which lasted two years. “Urbanism seemed to me as a ramification of engineering more connected to art”, says Lula. He benefited from his staying in Minas Gerais, visiting the historical cities and learning metal engraving techniques at Guignard School.


BACK TO THE BEGINNING


In 1993, Lula Nogueira held his third solo exhibit. The motifs and the conception in his paintings were all naïf, and the collages gained more space in his works, which rescued memories from his old Maceió. After that, he participated in the “Arte Alagoas”, an art event at Casa Rui Barbosa, Rio de Janeiro, as well as many collective exhibits in Aracaju, Recife and Penedo. In 1994, he was one of the curators responsible for the catalog “Arte Alagoas II” that gathers close to one hundred plastic artists from different styles.

Around this time, he was able to notice some prejudice from the critics and people in general to naïf art. Many were clearly critical about his paintings. Psychoanalysis had an important role in helping him to confirm his choice.

“Naïf painting made me journey to my inmost feelings, my childhood, says Lula. I started painting scenes related to my life when I was ten or twelve years old without even realizing it. It was my own history coming back to life. The coastal region and the inland woods in Alagoas offered a very rich culture. All that helped me to find my roots.”

From these roots, the characters and landscapes from his childhood began to flourish: great-aunts who were his first teachers, the small stores owners, the gossipy women, the mills, the old Northeast full of sugarcane farms, the folkloric and religious parties, the rural side of Brazil.

His research concerning the popular art of Alagoas – which resulted in a book organized by Tânia Maya Pedrosa – brought him a deeper contact with the local people’s wisdom: recognizing the chirp of the birds, the gimmicks of fishing, the songs and dances that disappear as the progress comes along. “In my opinion, painting also means a recreation of this lost world”, says Lula.

Lula dedicated his time to artwork with the same intensity he had in the beginning very confident in what he was doing. He produced partitions, altarpieces and cushions recycling many different objects and using them as new supports. Almost casually, his collages became even more present in his pieces. He feels that adding these objects to his paintings give them more veracity and better express what he wants to show.

Today, Lula often goes to his hideaway in Massagueira, a fishermen villa by the Manguaba lagoon. There, he finds his favorite themes, such as the local nature, the innocent fishermen, who are the best critics of his art, since they don’t analyze it, but feel it. In 2000, Lula had his fourth solo exhibit at the SESC-AL Gallery, a very delightful event where there was also a show by the folkloric musician Nelson da Rabeca.

When inviting Lula Nogueira to show his works, the MIAN pays a tribute not only to the creativity of this naïf artist from Alagoas who is closely connected to his homeland and its people, but also to a researcher of the colors and sounds of our rural Brazil.
Mariza Campos da Paz
Vice-president of the Lucien Filkenstein Foundation

 
Fonte:
http://daslagoascanario.blogspot.com.br/
 
Mais sobre o artista:
 
Programa o Lugar da Criação - Lula Nogueira (Vídeo)





sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Mestre Vitalino: O naif que veio do barro

Texto: Álvaro Nassaralla

Mestre Vitalino moldando o barro
Foto: Pierre Verger
 
Algumas pessoas ainda perguntam se Mestre Vitalino era um artista naif. Podemos dizer que sim, já que sua obra guarda muitos traços de ordem ingênua, mesmo que outros insistam em categorizá-la 'apenas' como arte popular.


"Confissão"
Cerâmica policromada

Foto: Soraia Carls (Evandro Carneiro Leiloes)
Fonte: Arte Popular do Brasil
 
 

"Retirantes"
Foto: Divulgação

 
Assim, se algumas peças do mestre fugem das características da arte naif, se olharmos sua obra de um modo mais amplo, encontraremos muitas peças marcadamente situadas nesse tipo de arte. O artista fazia peças figurativas e iconográficas, com personagens cotidianos de sua região.



"Violeiros"
Acervo Museu Casa do Pontal (Rio de Janeiro)
Foto: Romulo Fialdini


Dito isso, refenciamos a Revista de História da Biblioteca Nacional que, em sua edição de julho de 2009, publicou a matéria intitulada "Mestre Vitalino - Do barro nasce um herói".

O texto, escrito por Angela Mascelani, orienta-nos para o universo criativo do artista: 

"Vitalino criou uma narrativa visual expressiva sobre a vida no campo e nas vilas do interior pernambucano. Fez esculturas antológicas, como “Violeiros”, “O enterro na rede”, “Cavalo-marinho”, “Casal no boi”, “Noivos a cavalo”, “Caçador de onça”, “Família lavrando a terra”, entre outras".


Segundo a reportagem, o ceramista falava de sua maneira de criar de uma forma no mínimo curiosa:

"Para explicar seu processo criativo, Vitalino utilizava o verbo “estudar” – ou seja, projetar e executar a obra, atividades também definidas por ele como “fazer no sentido”. “Estudei um dia de fazer uma peça… Peguei um pedacinho de barro e fiz uma tabuleta; do mesmo barro peguei uma talisca e botei em pé, assim; botei três maracanãs (onças) naquele pé de pau, o cachorrinho acuado com os maracanãs e o caçador fazendo ponto nos maracanã pra atirar”, descreveu".

 

"Banda de Músicos"
Cerâmica policromada

Foto: Soraia Carls (Evandro Carneiro Leiloes)
Fonte: Arte Popular do Brasil

"Noivos"
Cerâmica policromada

Foto: Soraia Carls (Evandro Carneiro Leiloes)
Fonte: Arte Popular do Brasil


"Cangaceiro"
Cerâmica policromada

Foto: Soraia Carls (Evandro Carneiro Leiloes)
Fonte: Arte Popular do Brasil



"Noivos a cavalo"
Cerâmica policromada

Foto: Autoria desconhecida
Fonte: Arte Popular do Brasil


Mestre Vitalino iniciou uma mudança da produção de cerâmica de utensílios domésticos para a cerâmica figurativa, trazendo elementos do cotidiano, da vida sertaneja para o barro moldado.

Sobre isso, Mascelani diz:

"De certa forma, o impacto dessas imagens vem justamente de sua banalidade. Elas eram um verdadeiro “achado”, por retratarem fatos e coisas que estiveram sempre ali, à vista de qualquer um, extraindo da simplicidade sua beleza. A consagração de Mestre Vitalino foi, sobretudo, a consagração de um gosto e de um tipo de olhar sobre a realidade. Daí ter sido sua criação legitimada quase instantaneamente como “arte”."



Peças a venda na feira de Caruaru
expostas pelo próprio Mestre Vitalino
Foto: Pierre Verger

 


Mestre Vitalino vendendo suas
peças a venda na feira de Caruaru
Foto: Pierre Verger


 
O artista também foi o precursor de uma nova geração. Não só seus filhos, netos e bisnetos continuaram a produção artística, como também destacam-se outros nomes surgidos no Alto do Moura: Manuel Eudócio (1931-), Mestre Galdino (1929-1996), Zé Caboclo (1921-1973), entre outros. Mascelani nos diz:

"Embora se reconheça o papel fundamental de Mestre Vitalino na atenção que o universo da criação popular passou a receber, o fértil universo artístico surgido no Alto do Moura não foi obra de um homem só, nem fruto do acaso. Tratava-se de uma comunidade oleira, onde muitos dominavam as técnicas da cerâmica numa época em que começava a diminuir o interesse por objetos utilitários feitos dessa forma. A industrialização recente passava a oferecer louças e outros utensílios feitos de alumínio e de plástico, considerados mais atraentes e práticos. Com isso, os ceramistas tradicionais se viram pressionados a descobrir novos usos para seus talentos. Ao mesmo tempo, mudava o entendimento do que poderia ser admitido como arte e sobre quem poderia ser considerado artista".




Clique aqui para ler a matéria completa
da Revista de História da Biblioteca Nacional.
 

Hoje, a casa onde o artista viveu foi transformada em Casa Museu Mestre Vitalino. A Presidente Dilma visitou oficialmente o museu e foi presenteada pelos filhos e netos do Mestre, conforme fotos abaixo:  

Presidenta Dilma Rousseff recebe presente
de Vitalino Pereira dos Santos, neto do Mestre Vitalino,
durante visita à Casa-Museu Mestre Vitalino
(Caruaru, PE, 22/06/2011)

Foto: Roberto Stuckert Filho/PR



Dilma Rousseff conversa com o filho
do Mestre Vitalino, Severino Vitalino


Foto: Roberto Stuckert Filho/PR



 
Segundo Thereza Pires, o artista "deixou como herança 118 peças e a inspiração constante para cerca de 400 artesãos que se espalham nas ruas do Alto do Moura". 




"Ceia", s.d.
cerâmica policromada
14 x 24 x 30 cm

Acervo Galeria Pé de Boi
Foto: Cícero Rodrigues
Fonte: Enciclopédia itaú Cultural




O blog Arte Popular do Brasil dá a importante dica de onde podemos encontrar obras expostas de Mestre Vitalino:

"Parte de sua obra pode ser contemplada em importantes museus, alguns dedicados à arte popular, como o Museu de Arte Popular do Recife (Recife), Museu Casa do Pontal (Rio de Janeiro) e o Museu do Folclore Edison Carneiro (Rio de Janeiro). Vitalino possui ainda obras expostas no Museu do Homem do Nordeste (Recife), Museu Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro) e no Museu do Louvre (Paris, França). Entretanto, a maior parte de suas obras faz parte de coleções particulares. As obras de Vitalino alcançou ao longo dos anos um elevado valor econômico e ainda são comercializadas em alguns leiloes de arte pelo Brasil".


Por fim, para quem quiser adquirir peças feitas pelos descendentes do mestre, é só se dirigir à Feira de São Cristovão, onde são vendidas desde grandes formatos a até apenas belas miniaturas de cerca de 2 cm de altura.

Realmente pudemos constatar que as peças são muito bem acabadas e se distinguem facilmente de outras, produzidas em massa, que se encontram nessa própria feira e pelo Brasil a fora.

Veja também o perfil do Mestre Vitalino aqui no IIAN.